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António Castro, Professor e Escritor



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Do Livro «CONTOS»...

O Livro CONTOS foi editado pela Secretaria Regional de Educação, Juventude e Emprego da Região Autónoma da Madeira. A obra, publicada em 1990, inclui os seguintes contos do Autor:
- O TUBARÃO AVILEZ
- O RAPAZ FEITO DE CONCHA
- A GALINHA BARBEIRA
- MENINA CORAÇÃO DE SOL
- UM PEIXE CHAMADO ANASTÁCIO
- MENINA-SAUDADE
- A VACA MATILDE

Eis um dos Contos inseridos no Livro:
«A Vaca Matilde»

" Numa aldeia, um agricultor já cansado da vida dura da lavoura, decidiu-se a transformar os seus extensos campos de cultura em pastagens. Estas dariam para uma boa manada de vacas com a qual obteria mais lucro, trabalhando menos.

As terras eram de facto boas para a criação de animais e eles engordavam dia a dia. Entre todos porém, havia uma vaca que era a preferida do agricultor, tanto pelo seu peso como pelo leite que produzia diariamente. Era raro o dia que ele não dissesse, dando-lhe ternas palmadinhas no lombo:
- Esta é a minha vaca preferida!
E pôs-lhe o nome de Matilde.

Matilde, encorajada com tantas atenções do dono, comia cada vez mais para ficar rechonchuda e bonita.
Certo dia o touro foi ter com ela, em tom de censura, dizendo:
- Quem gosta de vacas gordas são os donos, porque só pensam no lucro que terão com a sua venda. Nós, os touros, também gostamos de vacas gordinhas, mas Matilde, tudo tem o seu limite!
Desvairada, a vaca resolveu fugir para bem longe.

Tanto andou que acabou por ir parar ao circuito de manutenção da vila mais próxima.
Escondida atrás do arvoredo, a vaca Matilde viu uns homens correrem, ultrapassando barreiras, e só com as patas da frente gingavam-se para cá e para lá na barra fixa.
Quando toda aquela gente se foi embora, a vaca não teve mais nada: pôs-se de pé, embora com algum esforço, e fez tudo aquilo que vira fazer aos homens.

Durante três dias repetiu o sacrifício. Como transpirara bastante e fizera todos os exercícios horas a fio, convenceu-se de que já estava suficientemente elegante e tomou o caminho de casa. Antes de lá chegar parou num campo repleto de flores bravias, puxou-as pelas raízes com os chifres e pendurou-as no alto da cabeça.
- Agora é que o touro vai ter uma surpresa ao ver-me tão magra e de chapéu!

Entrou na propriedade com ar altivo e quem a encontrou primeiro foi o dono, que ao vê-la exclamou:
- Estúpida vaca! Primeiro foge e agora aparece-me aqui só com pele e ossos!
Nada satisfeita, a vaca prosseguiu o seu caminho, pensando:
- Querias é que eu continuasse gorda para me matares e encheres os bolsos com a venda da minha carne! Vou mas é procurar o meu marido touro, que é da minha raça e me entenderá melhor!
O touro porém, ao vê-la com umas ridículas flores secas no alto da cabeça, tão olheirenta e enfezada, não pôde deixar de rir:
- Oh Matilde! Pedi-te para seres elegante, não para ficares ridícula e esquelética!

Duas grossas lágrimas de vaca lavaram-lhe o rosto, ao sentir tanto desprezo. Todos a tinham decepcionado, com efeito. Só o touro do vizinho, a quem antes nunca tinha dado atenção, continuava a lançar-lhe olhares ternos.
Infeliz e pensativa, disse para com os seus metros de couro:
- Tornarmo-nos belos para agradar a alguém é a maior tolice. Quem nos quiser pôr defeitos, sempre haverá de os encontrar!
E pensando assim, enquanto olhava de soslaio para o touro do vizinho, sentiu-se mais reconfortada".

ANTÓNIO CASTRO